Textos de Marlene Xavier Nobre, autora do livro A meus queridos netos.

Marlene Xavier Nobre é autora do livro A Meus Queridos Netos e do blog  http://nobresenobres.blogspot.com.br/

Em 04/11/2016 afirmou: "Tenho muitos cadernos espalhado pela casa toda. Já joguei alguns fora. Às vezes, tenho um pouco de insônia e passo o tempo escrevendo. Amo escrever. Sinto uma necessidade enorme de escrever, me sinto muito bem escrevendo."







Florianópolis, 18 de agosto de 2020.
Cansaço

O cansaço me tirou do sério
Me roubou o sossego, me tirou o sono
Tudo se tornou um saco, muito chato enfadonho, um mundo estranho.
De humanos mal humorados.
Nada tem mais graça com essa pandemia que não dá trégua ...
Tomou conta das vidas e das calçadas
Perdemos o controle. (Olhares sem cores)
Faz tempo não saio de casa, não ando na rua, não vejo a vizinha, me sinto sem energia. Me olho no espelho me vejo pálido e sem cor nos lábios, me sinto feio. Meu corpo está largado, me sinto fatigado com tanto noticiário indesejado. Mas não tem outro jeito. É preciso ficar ligado, estamos todos vendo e vivenciando na pele.
Tudo está muito chato mas não tem outro meio, o mundo agonizando, olho pros lados não me reconheço, vejo tudo transformado não somos mais os mesmos, nos tornamos humanos mal humorados: todos estranhos, rabugentos. (Não está sendo fácil.). Tudo está em torno desta higienização: uma verdadeira maldição!


Hoje mesmo não parei de lavar os legumes e as frutas que chegaram do mercado
Uma penitência que mais parece um despacho!
No final das contas não sei quando vou ficar liberto desse cansaço alojado no meu corpo de um jeito que parece feitiço.


Rotina

Essa rotina diária: a grande vilã da pandemia que vai ficar na história. Me descobri de várias formas
Rotina de ficar em casa
Rotina de ficar na sala
Rotina é saber acordar na boa , é mais um dia , rotina é saber se levantar sem praguejar é saber por onde andar pode ser ao redor da casa, rotina é lavar cozinhar passar cuidar de si do outro ,dos outros é limpar higienizar lavar as mãos mais que devia
Rotina é não se cansar de banhar as frutas legumes e verduras na cândida rotina essa que vivo um ritual satânico. Faz meses não me canso de arrumar minhas gavetas que estavam reviradas e cheia de baratas ...quantas meias furadas .,rotina essa parece uma roubada ,arrumei a minha horta ,minha rotina está completa ,me descobri sou uma ótima bordadeira ,cozinheira passadeira de mãos cheia , A pandemia me fez enxergar que a rotina é uma beleza me encontrei com as amigas numa laive falamos de tudo um pouco só não enrolamos a língua uma na outra pela distância ...
Rotina é saber cumprimentar, por telefone, o amigo ou o parente carente e ausente.
Rotina é saber como o outro está, sem demorar
Rotina é saber saudar, é dar o ombro amigo (nem que seja no domingo)
Rotina é saber aproveitar cada momento como último.
Rotina é reconhecer que o isolamento social nos ensinou a suportar as nossas faltas, a entender melhor e não reclamar da vida.
Rotina vale mais que uma taça de água.
Virou moda em qualquer canto da casa:
- Não podemos andar na calçada.
- Não podemos esquecer a máscara
Rotina que virou marca famosa
Rotina que tomou por inteira a criança, a moçoila, a idosa...
Rotina essa desgraça que me prende em casa...
Rotina de aprender com ela o dia,
que até então não via.
(Foi preciso sair da cegueira!)
Rotina individual:
- Que as boas maneiras sejam pra vida inteira.


Florianópolis, 11 de outubro de 2019.

Um amor que se libertou de todas as dores e amarras.
Um amor que enxergou outras dimensões, que enfrentou todas as batalhas e muralhas, sem perder a esperança. Um amor não se julga. Mergulha de cabeça. Um amor que ultrapassou todos os limites e limitações, que se arrisca em novos horizontes... Que viajou nos desejos e suportou inquietações de dois corações transbordados e que sem preconceitos se escolheram.
Mais que um amor inebriante, feiticeiro, mais que estrelas cintilantes, e pássaros riscando novos horizontes. O amor não tem um lugar exato pra morar,  mas  pode ser num olhar, num estar ou ficar. Amor é para se  dar, se deleitar. É mais do que aventuras, são histórias, vividas e sentidas na carne, que aos quatro cantos do mundo grita e  resiste e existe. Um amor vai além das fronteiras, se prende a  corpos existentes e calientes.
Este amor é feito de almas que se entendem, se amam, e enxergam além dos horizontes.
Ah! O amor é algo tão potente que transporta, que transforma qualquer alma doente, e carente...

O amor é imponente quando encontra um alguém que ama...

Uma mistura louca
[CAMARGO, Wanda; NOBRE, Marlene Xavier. Palavra de Mulher. Instituto da Memória, 2019]

Fala da tua dor, esta que amarga
E quem não viveu um amor?
E quem não aprendeu a olhar para um irmão ou para aquele que precisa de um olhar, e quem vai viver neste mar? Nele há muita lama

O homem se perdeu no lugar, não há mais espaço, neste labirinto
Sem ar, nesta disputa insana,
Ninguém se engana. Só quer fama.
Na estrada, há muita espera, nesta
Que precisa de muita calma, nesta hora,
A estrada é comprida e longa
Pisa fundo e sem lembrar que o outro sangra uma dor profunda que não estanca.
O mundo é uma roda que gira, hora em cima hora em baixo.
 Abre os olhos. A vida é uma escola que ensina a toda hora.

O vento não poupa. Ele enfrenta e arrasta,
Não espera, mata
 tira lhe a vida, é voraz, e quem só viveu por amor, e quem não sentiu uma dor
Que lhe esgana é tirana.
E quem desprezou uma dama
Aquela que se espalha que exala

E quem se esqueceu de olhar
E quem não olhou para o mar
E quem só viveu no ar, não soube respirar, se esqueceu de amar
E quem não provou o fel não soube beijar, e quem não estendeu as mãos se esqueceu só pisou no chão
Mas viveu na escuridão.

E quem apagou a vela, e quem não olhou a chama, se esqueceu da panela, e quem humilhou se esqueceu das voltas que são tantas
E quem suspirou na cama se entrelaçou nas pernas.

E quem não sentiu a poeira na cara
Coisa rara, um dia levará uma pá de terra, e quem se esqueceu que aqui é um mundo ilusório e de provas.
Engana-se.
Seja simples, seja humilde. Aqui só há provas, não te afoba.
O mundo é imenso, mas cheio de enganos, aqui tudo passa, o mundo dá voltas, nem que seja na lama, a fama é igual façanha, não soma em nada, só não pára a roda.
Tudo gira em torno da vida, até a cabeça que ignora o valor, o sabor e o prazer que a vida mostra, ela aprova e reprova até a consciência
Mal informada que aqui tudo fica
A raiva, a ganância até às mentiras
Daquele que não ama a vida. 

31/7/2019
Mágoas que rasgam o peito: um coração que sangra 
Mágoas escondida e frias
Mágoas que se transformam em doenças. Mágoas que ardem feito brasas, mágoas que o peito reclama e dilacera. Mágoas tenebrosas. Mágoas são palavras ou atos malditos. Mágoas: explosão de ofensas. Mágoas que o coração não suporta. Mágoas que não dissolvem, nem resolvem... só o tempo responde, e o perdão onde fica?! 
No meio de tantas mágoas espalhadas, igual a um oceano de lágrimas. Mágoas  cicatrizes infelizes. Mágoas, quem não teve um dia? Mágoas de quem não sente alegria. 
Mágoa: a ferida mais fétida deixada por alguém que não deu valor, nem amou o coração que lhe cuidou.

Mágoa é igual a um fantasma que invade a alma.

Julho de 2019

Lua feminina, lua menina. 

Lua não é a mentira contada 

Lua das forças ocultas 

Lua das marés, das tabelas. 

Lua das grávidas, lua que sangra. 

Lua das fantasias, das serenatas. 

Lua feminina, lua menina. 

Lua que brilha mesmo na noite escura, nem as sombras ocultas ofuscam. 

A tua  beleza, lua estás em festa. 

Só eles os astronautas te  convenceram nem o cavalo se aborreceu nem se escondeu.

Lua das descobertas até o mundo 

Não se esqueceu. Lua da magia, da bruxaria, lua das fases, das marés da ressaca não és cachaça, és a dama das serenatas,lua da descoberta não és coberta nem acoberta ,ficasse de porta aberta para os astronautas, lua teu véu caiu não és mais virgem, mas a tua luz encanta  os amantes os enamorados e os casados, lua não és ninfeta, mas a tua  história. 

Com os astronautas marcou o mundo inteiro, lua que brilha, lua enluarada estás em festa. lua menina, lua feminina 

Nem a sombra roubou nem ofuscou o teu brilho nem a beleza 

Nem a tua fama. Oh lua só tu encanta nas noites frias , nas madrugadas e nas serenatas 

Lua menina, lua feminina 

Lua estás em festa  esta noite só a terra te abraça, te beija, te ama 

Lua, por favor, deixa...


Texto de julho de 2019


Pulgas se levam para a cama

ficam as sarnas e as pulgas disfarçam

Dispersam-se.

Pulgas na cama: só no moquifo ou no cafofo, no ar cheiro de sangue.

Picadas no corpo, pulgas na cama só no cochicho em cada cochilo se entranham na fronha.

Pulgas na cama fazem uma festa

Infestam um corpo, mas que vergonha ficam pintados iguais bordados no outro dia uma feiúra.

Que agonia muita coceira, a olho nu todos enxergam.

Pulgas e camas só na zona são encontradas no baixo meretrício

Enroscam-se nos pelos e nos pentelhos.

Pulgas e camas não se enquadram impossível ter bons sonhos

Dormir é o mesmo que sentir por debaixo das partes, pois fazem a festa. Mas que bicho enfadonho, mas que indigesto que tem corpo e cabeça, mas que espeta por debaixo das cobertas.

Pulgas e camas tem história um passado distante e tenebroso.

Que mau gosto este gosto!

Pulgas e camas delas ficam as marcas nos lençóis e nas fronhas

Pulgas e camas não se desgrudam ficam juntas a muitos verões igual praga, uma peste incrustada naquela casa de madeira onde há frestas.

Pulgas e camas e não há amor que resiste numa cama infestada

Pulgas e camas não existem corpos que resiste a tantas picadas

Pulgas e camas são mal interpretadas mal olhadas difamadas, hoje outra era juventude mais moderna, pulgas noutra passarela.

Pulgas e camas só com roupas lavadas detefon já era, lençóis azuis fronhas de seda, aspiral nem pensar.

Pulgas nem nas camas dos animais outro mundo outras era

Lá se foram as pulgas, mas deixaram as sarnas...



GATOS 
(em 02/06/2019)

Amanhecia o dia,
tudo ardia!

Garganta arranhada,
no peito um chiado
de alguns gatos...

Mais parecia um balaio de gatos
Todos miando muitos miados...

À noite, o sono foi embora
(só eles brincavam
não poupavam)

O peito rasgava, chiava.
A tosse chegava,
o cansaço me tomava...

No começo,
foi tudo engraçado,
até divertido...
(aí brincava
e falava:
“Os gatos chegaram”.

Mas os gatos não davam
trégua. Brincavam,
roncavam!

(Só eles sabem o motivo
dessa escolha comigo!
Só eles sabem o motivo!).

Será faltou fumaça para espantar?
Será faltou sacada ou será os deixar entrar pra estragar
minha noite mal dormida?

Gatos e pulgas se entendem
sou alérgica, mas eles não me compreendem.

Que chiado, mas impertinente,
Nem xarope resolve!

Quero expulsar e expurgar todos do meu peito.
Mas não sei o que faço.
Só sei dizer que gatos não combinam comigo
Destes que estão no meu peito...

Gatos!
(Acho que vou tomar um banho de água fria nem que seja na chuva...).



O Natal

Esperávamos o Natal na maior euforia. Havia muita união durante a semana dos preparatórios em que todos eram envolvidos.

Meu pai pintava a casa, carpia o quintal.  Minha mãe, minhas irmãs e eu enfeitávamos a casa para deixá-la mais graciosa.

Tudo era simples e feito com amor.

No canto da sala, uma árvore de gravetos secos e algodão.

Aquele momento era muito importante pra mim. Sentia-me ansiosa e feliz, esperando o natal no qual o menino Jesus era a figura mais significativa.

Hoje como mãe e avó consegui transmitir um pouco da minha história.

Pois continuo a festejar os nossos natais familiares sem esquecer o pinheirinho enfeitado de algodão.

E sem poder deixar de falar da figura do meu avô paterno. Guardo até hoje o seu rosto sereno achava o um homem acolhedor e inteligente. Daquele natal guardo o grande presente que carreguei pra vida de adulta: as sábias palavras do meu avô:

‒ Minha neta, quando for falar com uma pessoa, olhe bem nos olhos dela, pois os olhos falam verdades ou mentiras. Nem toda luz se faz brilhar. Depende do teu olhar.  Não é difícil. Lê os olhos. Quando olhados, muita gente se esconde por detrás deles. É só mudar o teu pensar, onde andas é só olhar.

E assim segui um grande exemplo de vida: o grande ensinamento que recebi de meu avô. Os anos se passaram  e vieram os descendentes.

Certo dia, percebi que um dos netos tinha uma mania de olhar para o chão quando a gente falava com ele. Resolvi transmitir-lhe a lição recebida do meu avô:

‒ Quando falarmos com uma pessoa temos que fazê-lo olhando nos olhos.

Até achei engraçado quando ele me perguntou o porquê.  Expliquei e citei o exemplo que vivi um dia.


E a partir deste dia ele mudou a sua forma de olhar.

Florianópolis, 22/06/2017.
Minha gratidão,

No ano de dois mil e dezesseis, no mesmo de agosto, depois de tantos convites feito pela minha filha Sabrina (quem me cuida bastante!), resolvi me inscrever na oficina de criação literária. E me identifiquei muito, pois o que mais gosto de fazer é escrever: meu maior vício .
Lembro-me tão bem do meu primeiro dia naquela sala de aula.
Sentia-me plena de alegria, parecia uma criança ,do qual nos meus sonhos me via. Ah! Cantei ,dancei,escrevi lindos textos e poemas, me realizei.
Fiz novas amizades ,encontrei bons e grandes amigos ,que vou levar para a vida inteira. Jamais posso me esquecer do carinho e da atenção recebidos da nossa professora Edna Domenica Merola.
Neste dia me recebeu na porta; me lembro tão bem como se fosse hoje das suas perguntas que pra mim foram muito importantes naquele nosso contato.
Isso pra mim é um sonho realizado, pois junto lançamos um livro de memórias compartilhadas. Ah que maravilha!
A esta altura da minha vida, era só o que me preencheria. Plantei flores, colhi amores, pari, tive netos.
Enquanto na vida estiver , vou enfeitar todas as minhas manhãs de quintas-feiras. É lá que me entrego,viajo e voo, vejo pássaros ,borboletas ,muitas flores rosas margaridas e jasmins.
Quem sabe um dia me tornarei uma poetisa ou quem sabe uma grande escritora. O meu profundo agradecimento aos funcionários (em especial aquele jovem da recepção que nos acolhe tão bem).
A minha gratidão à nossa amável e amada professora Edna Domenica Merola.

Muito obrigada meu Deus
Pela minha saúde, minha ida às oficinas
Pela minha família, filhos, esposo e netos
É pra lá que sigo com passos firmes
Fortes, certos e certeiros
Isso mudou a minha vida. Sinto paz, prazer e alegrias. O saber adquirimos com os dias e a nossa vida, mas o aprendizado nunca é demais.
Pois morremos e não sabemos tudo. 

Muito grata, Marlene Xavier Nobre. 


Crédito da foto: Marlene Xavier Nobre
Exercício: caracterização de personagem.
Florianópolis, 02 de abril de 2017.

Cecília: uma mulher forte, bonita, de fibra e corajosa. Nasceu no dia vinte de junho de mil novecentos e quarenta e cinco, na barra da lagoa. Filha, mas velha de um casal que teve quatro filhos.
Seu pai: um homem franzino, mas muito trabalhador, era pescador.
Sua mãe era artesã: uma mulher muito disposta e bem humorada. Trabalhava em sua casa onde fazia lindo trabalho de renda com bilros, cuidava dos afazeres da casa e dos seus filhos e ainda das finanças, com os recebimentos de seu bonito trabalho manual.
Cresceu em uma família humilde e muito unida: dava gosto de ver! E além do mais, todos os membros dessa família tiveram uma boa educação. Todos
estavam sempre juntos. Eram religiosos: não faltavam sequer a uma missa, muito menos a uma quermesse. Aos domingos tinham compromisso de ir à igreja.
Cecília se destacou. Relacionava-se com muita facilidade, pois era muito sociável e gostava de gente. Tinha uma boa comunicação desde a sua adolescência, pois sempre conviveu com muitas pessoas. Acompanhava sua mãe que participava de projetos e muitas reuniões, nas exposições dos produtos de sua querida mãe. Esta lhe ensinou, desde criança, a fazer lindos trabalhos artesanais. Que bela herança!
Seus maiores valores: caráter, dignidade, boa índole para com ela e as pessoas. Ama a vida e se ama.
Aprendeu com sua mãe não só as técnicas da profissão, mas também ideias: a cultura da renda não deve acabar e as rendeiras devem ter direitos trabalhistas garantidos.
Cecília conquistou a subsistência da família, vivência, o espaço dela, o reconhecimento pelo trabalho, a autonomia e a liberdade. Sua contribuição para a comunidade: a preservação da renda de bilro. Foi líder comunitária e ajudou a construir a primeira sede de mulheres rendeiras.


Florianópolis, 27 de abril de 2017.
Curvelo,

Tudo bem com você? Espero que sim.
Hoje ao amanhecer (nem sei o porquê),pensei muito em você .Lembrei dos nossos tempos escolares.
Era terrível (me desculpa, mas sou sincera).
Espero que tenha mudado, agora que tem mais idade (não quero dizer que está velho!). Digo que está maduro!
Tomara que tenha acordado para realidade da vida.
Não quero que me interprete mal, pois não falo da sua vida atual, apenas lembro de alguns episódios, algumas atitudes rudes suas na infância.
Sabe me lembro tão bem daquele último dia de aula no recreio, quando você jogou o copo de merenda no rosto da nossa amiga de classe a Alice, foi uma cena muito forte que me marcou profundamente.
Muita coisa mudou, o tempo passou. Estamos noutra fase da nossa vida
Espero que não se aborreça por relembrar um pouco da nossa infância, naquele grupo escolar.
Amigo, vou lhe fazer um convite: que tal a gente marcar um encontro, bater um bom papo, quem sabe fazer um lanche ou tomar um café? Pois precisamos nos rever, agora como bons amigos, pois somos adultos.
Não costumo guardar mágoas e nem rancor. Caso encerrado, pois quero muito te dar um grande abraço, meu amigo Curvelo.
Desta que lhe considera ainda,
Simone.

Bom dia, Simone,
Estou desde ontem à noite lendo aqui no Google sobre o mito de Lilith. Sabe, é muito profundo tudo.
Mas sabe o que acho? Que ainda hoje a mulher paga um preço por cometer este tal pecado. A mulher parece que é culpada sempre por tudo, que não pode nada e o homem pode tudo.
Quando uma mulher trai o marido e sai de um casamento é tachada de tudo, até de prostituta como se fosse suja. Mas o homem pode tudo, faz de tudo. O ditado diz: "sacode as calças e vai embora".
No trabalho, a mulher pode ter mil diplomas conhecimentos mil, mas não adianta! O homem é quem manda e comanda. 
Ainda bem que tem as intuitivas, as sacerdotisas e muitas “Simones” espalhadas por aí. Mas temos que reverter e rever muitos conceitos ainda. 
Embora muita coisa já tenha mudado nas nossas vidas, precisamos ainda ter muitas lutas de consciência e de conscientização. Precisamos ser respeitadas e ter direitos. Reivindicar não é um pretexto nem um defeito. Exigimos direitos iguais e fim do preconceito. As mulheres não aceitarão voltar a ser mais submissas. Elas decidirão pra onde vão, pois o lugar da mulher é aonde ela quiser.
Onde se viu a mulher numa sociedade sem leis trabalhistas conseguir desempenhar os papéis de mãe estudante e trabalhadora? Onde não lhe é garantido licença maternidade, jornada justa de trabalho e salário digno?
A próxima sexta feira, dia 28/4/2017, será um dia histórico no calendário das trabalhadoras e dos trabalhadores. Pois é através das resistências que conseguiremos garantir e ampliar nossos direitos. Somos fortes, somos brasileiras (os ).
Temer jamais!

Boa noite. Desculpe-me por me estender, abraços mil,
da sua colega de oficina, Rosália.

(Carta inspirada em trecho de Conto de Escola, de Machado de Assis).
Florianópolis, 06 de abril de 2017.
Caro neto,

Como você sabe, gosto de relembrar o passado. Hoje acordei lembrando da minha escola primária. Era na rua Alves de Brito, num casarão de paredes pintadas com tinta a óleo de cor amarelo. As portas e as janelas eram pintadas de verde. Na frente do grupo escolar tinha uma frondosa árvore de jaca. Do lado próximo ao corredor, tinha uma gruta com a imagem da nossa senhora das Graças.
O ano era mil novecentos e sessenta. Naquele dia ‒ uma segunda feira do mês de maio ‒ deixei-me estar alguns instantes na Rua José Boiteux a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o alto da Caeira e o Saco dos Limões que à época tinha muitos jardins, era um lugar bonito onde as flores e árvores se espalhavam.
Morro ou campo?Tal era o problema. De repente, disse comigo: melhor era ir à escola. Aqui vai a razão.

Na semana anterior faltei na escola e descoberto o caso recebi o pagamento em forma de castigo das mãos do meu pai que usou uma cinta. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Pois era um velho mentecapto, sem juízo e estúpido. Assim eu julgava.
(A continuar)

Comentários

  1. Os textos de Marlene são como uma colcha de retalhos absolutamente sincrônicos, chuleados com perfeição; enroscadinhos feito teia de aranha que sabe tudo da arte de tecer e de arranhar fundo a nossa sensibilidade. Os temas, os olhares e a maneira leve (pura em essência), o discurso límpido e transparente. O resultado é prazeroso como um banho de cachoeira, um café passado no saco na hora na casa de tia Mocinha, lá na Costa da Lagoa; um abraço apertado daquele tio que iluminou a nossa infância; inesquecível feito o cheirinho de alfazema e nafetalina que eu sinto -ainda hoje- todas as vêzes que lembro de minha parceira de estrepulias, a voó Rita. Obrigado Marlene, pelo amor que tens pela escrita e por bordar tantos retalhos nesta tua colcha iluminada de vida.

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  2. Fui relendo aos pouquinhos, como quem saboreia aquele licor das bruxas ali na entrada da Costa da Lagoa...Ôxi, em noite de Lua cheia e Lagoa paradinha, silêncio de fundo de olho... refletindo feito espelho cada lembrança, cada suspiro, cada palavra/poema destas tuas escritas, minha cara amiga. Gratíssimo às duas pela postagem... (Desterro/Floripa/SC - 31/07/2019)

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