O leitor na pele do personagem-narrador em Diário de Inverno. Edna Domenica Merola.

Crédito foto Edna D. Merola
Partindo
da pergunta: "como são feitas as histórias", recortou-se a indagação:
"quem é o ser que narra", e tomou-se por ilustração o Diário
de Inverno de Paul Auster para refletir sobre a questão da
individualidade/alteridade num ato de comunicação escrita.
As
histórias são feitas por criadores de protagonistas, de testemunhas, de
observadores, de narradores e de narratários. Histórias são escritas por quem
as ouviu ou viveu, por quem imaginou que ouviu ou imaginou que viveu. Ou por
quem brincou de fazer de conta que delas participou de alguma das formas
mencionadas. Histórias são feitas por criadores que dialogam com a realidade e
a ficção. (MEROLA, 2014, p 92).
Ao
perguntarmos quem é o ser que narra uma história escrita, a resposta óbvia é
dizer que é um eu que o faz. No entanto, identificar as representações
envolvidas num determinado contexto narrativo demanda um esforço de análise.
A
narrativa em primeira pessoa é algo inerente à organização cognitiva infantil
operacional concreta. No entanto, a narrativa em primeira pessoa, para
efeitos da análise do texto literário contemporâneo, demanda abstrações em
torno da diferenciação ou não entre autor e narrador.
A
perspectiva do narrador personagem é de dentro da história. Participa de seu
enredo como protagonista ou coadjuvante, usando os pronomes eu ou nós para
narrar.
Quando
um autor publica um texto narrativo usando o pronome eu, ocorre dos leitores
suspeitarem de que a história é verídica. Se a temática é contemporânea e se o
narrador é onisciente, isso fará o leitor supor que o texto é autobiográfico. O
viés recorrente é a leitura de mundo que os autores expressam na construção da
ficção sob a própria percepção do momento social. Ora, o que é vivido
coletivamente no cotidiano é chamado de realidade. No entanto, a narrativa
representa a realidade, não sendo idêntica a ela.
É
contemporâneo pressupor que o lugar narrativo (de onde e de quem parte a
história narrada) é mais apelativo do que o conteúdo anedótico daquilo que é
exposto, descrito, narrado. Atualmente livros de autoajuda se tornam best
sellers e seus autores se destacam em modalidades sócio profissionais
diferentes da de escritor. Ou seja, autor e narrador se fundem de tal forma a
confundir o aprendiz de literatura na distinção entre ambos.
É um desafio para escritores distinguir os papéis de autor e narrador. Essa conscientização pode auxiliar a
construir o texto de forma a afirmar que a diferenciação é válida ou que, ao
contrário, se trata de uma narrativa autobiográfica. O autor poderá também
criar um narrador com condições para construir uma narrativa que instale essa
dúvida no leitor, fazendo disso material estético.
Na
literatura brasileira do século XIX, a apóstrofe caro leitor, marca do contista
brasileiro Machado de Assis, configura a existência de um narratário ou
substituto do leitor no próprio texto.
Esse
complementar do narrador – típico dos romancistas vitorianos – é um “artifício
retórico, uma forma de controlar e complicar as respostas do leitor real, que
permanece fora do texto.” (LODGE. 2011. P. 90).
Já
o uso do narratário que faz as vezes do narrador durante toda a narrativa, isto
é, que é colocado no lugar de narrador-personagem gerou um novo panorama para o
ensino do foco narrativo. Esse tipo de narratário que participa da história
parece ter sido inspirado no RPG (role-playing game) – um jogo de interpretação
de personagem onde existe um desenvolvimento tanto do personagem como da
história. (MEROLA, 2014, p 89).
Paul
Auster – autor de Diário de Inverno – coloca o leitor na
pele do personagem-narrador, conforme poderá ler nos trechos abaixos:
Trecho 1 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): início do livro
Você acha que nunca vai acontecer com você, que não pode acontecer com você, que você é a única pessoa no mundo com quem nenhuma dessas coisas jamais há de acontecer, e então, uma por uma, todas elas começam a acontecer com você, do mesmo modo como acontecem com todas as outras pessoas.
Seus pés descalços no assoalho frio quando você levanta da cama e anda até a janela. Você tem seis anos de idade. Lá fora está nevando, e os galhos das árvores do quintal estão embranquecendo.
(AUSTER, 2014, p 7)
Trecho 2 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): final do livro
Seus pés descalços no assoalho frio quando você levanta da cama e anda até a janela. Você tem sessenta e quatro anos. Lá fora o ar está cinzento, quase branco, e não há sol à vista. Você se pergunta: quantas manhãs ainda restam?
Uma porta se fechou. Outra porta se abriu.
Você entrou no inverno da vida.
(AUSTER, 2014, p 208)
Trecho 3 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): a casa como corpo energético
16.252 Millis Road;
Stanfordville, Nova York. Uma
casa branca de dois andares no norte do condado de Dutchess. Data de construção
desconhecida, porém nem nova nem particularmente velha, ou seja, algo em torno
de 1880 e 1910. Dois mil metros quadrados de terra, com uma horta ao fundo, um
quintal ensombrecido por pinheiros à frente e um pequeno trecho de floresta
entre a sua propriedade e o lote vizinho ao sul. Uma casa um tanto caída, mas
não totalmente decrépita, que poderia ser melhorada pouco a pouco desde que
houvesse dinheiro, com uma sala de visitas, uma sala de jantar, uma cozinha e
um quarto de hóspedes ou escritório no andar de baixo, mais três quartos no de
cima. Preço de compra: trinta e cinco mil dólares. Uma casa entre outras numa
estrada secundária do interior, com trânsito moderado. [...] os seus vizinhos na Mil lis Road eram
cidadãos bondosos e sérios, muito deles casais jovens com filhos pequenos; você
acabou conhecendo todos eles, em grau maior ou menor, mas o que mais lhe ficou
na memória a respeito dos seus vizinhos no condado de Dutches foram as
tragédias que ocorreram nessas casas [...] tanto
sofrimento por trás das portas trancadas e das persianas baixadas daquelas
casas, e entre elas a sua casa também se incluía. Idade de trinta a trinta e um
anos. Uma época deprimente, sem dúvida a época mais deprimente de toda a sua
vida, tendo como único evento positivo o nascimento do seu filho em junho de
1977. Mas foi nessa casa que seu primeiro casamento se desfez, foi lá que você
viveu apertado por problemas financeiros [...] e foi lá que sua carreira de
poeta deu num beco sem saída. Embora você não acredite em casas mal
assombradas, quando você relembra aquela época agora a impressão que lhe dá é
ter vivido sob uma maldição , é de que a casa em si era parte responsável pelos
problemas que desabaram sobre você. Por muitas décadas, antes de você mudar
para ela, a casa fora propriedade de duas irmãs solteironas, [...] velhíssimas
[...], uma delas cega e a outra surda, já instaladas numa clínica geriátrica há
quase um ano. Uma vizinha [...] fez as negociações em nome das irmãs [...] e ela
lhe contou [...] que a irmã surda castigava a cega trancando-a no armário do
andar de baixo, você inevitavelmente se lembrou de cenas de romances de terror
[...] naqueles primeiros dias, limpando e mudando os móveis de lugar (alguns
dos quais vieram com a casa), você e a sua primeira mulher encontraram [...] um
corvo que estava morto há muito tempo, inteiramente ressecado, porém intacto
[...] duas ou três caixas de livros [com panfletos e livros pró nazismo] um
exemplar dos Protocolos dos sábios do Sião [...] a mais repelente e influente
defesa do antissemitismo já escrita. Você [...] levou as caixas até o depósito
de lixo da cidade e fez questão de enfiá-las embaixo de uma pilha de lixo
podre. Era impossível morar numa casa em que houvesse livros assim. Você
esperava que a história terminasse ali, mas mesmo depois de jogar os livros
fora, continuou impossível morar naquela casa. Você tentou, mas simplesmente
não conseguiu. (AUSTER, 2014, PP 84-87).
Trecho 4 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): a busca de origens é em vão (não existem raças)
Você
gostaria de saber quem é. Tendo muito pouco em que se basear [...] há dezenas
de milhares de anos que tribos humanas circulam pela Terra, e quem há de saber
quem gerou quem gerou quem gerou quem gerou quem gerou quem até dar nos seus
pais, que geraram você em 1947? Por não fazer ideia de sua origem, há muito
tempo você decidiu que é uma combinação de todas as raças do hemisfério
oriental [...] você decidiu conscientemente ser todo mundo, abraçar a todos que
existem dentro de si para poder ser o que você é de modo mais integral e livre,
pois a questão de quem é você é um mistério, e você não tem nenhuma esperança
de que ele algum dia seja resolvido. (AUSTER, 2014, PP 108-110).
Trecho 5 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): as mãos (inspiração clássica em Eurípedes)
As
suas mãos [...] se ocuparam com tarefas que não exigem quase nenhuma
consciência. Abrindo e fechando portas, [...] virando páginas de livros,
segurando a caneta, escovando os dentes, secando o cabelo, [...] aplaudindo em
teatros e salas de concerto, enfiando chaves em fechaduras, coçando o rosto,
coçando os braços [...] abrindo caixas de chá, acendendo luzes, apagando luzes,
afofando travesseiros antes de deitar. [...] Sua mão direita apertou tantas
mãos que você já perdeu a conta [...]. (AUSTER, 2014, PP 152-153).
Trecho 6 do livro Diário
de Inverno (AUSTER, 2014): passado versus presente
Essa história de “antigamente é que era bom” não é com você. Toda vez que se
dá por si mergulhando em alguma fantasia saudosista, [...] você diz a si mesmo
para [...] examinar o passado de modo tão minucioso quanto você vê o presente,
e logo chega à conclusão de que não há muita diferença entre os dois tempos,
que presente e passado são essencialmente iguais. É claro que você tem muitas
queixas [...] da vida contemporânea nos Estados Unidos [...] ascensão da
direita, as injustiças da economia, o descaso com o meio ambiente, o mau estado
da infraestrutura, as guerras insensatas, a barbárie da tortura legalizada e da
expatriação de prisioneiros, a desintegração de cidades empobrecidas como Buffalo
e Detroit, o enfraquecimento dos sindicatos, as dívidas que impomos aos nossos
filhos para que eles possam frequentar nossas universidades excessivamente
caras, o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, [...] chega a dar ganas de
desencadear uma revolução ‒ ou virar eremita [...] volte ao ano em que você
nasceu e tente relembrar como era o país naquela idade de ouro da prosperidade
do pós-guerra: leis de segregação racial em todo o Sul, cotas para limitar o
número de judeus, [...] a Guerra Fria, o pânico anticomunista, a bomba atômica. (AUSTER,
2014, PP 165-166).
Proponho,
para reflexão crítica sobre a recepção do foco narrativo usado por Paul Auster
em Diário de Inverno, algumas indagações:
Esse
narratário que participa do jogo de participar da história seria um
protagonista? Tal foco narrativo enriqueceria as possibilidades do texto
dialogar com o leitor? O jogo texto e leitor (criado pelo autor) facultaria o
diálogo entre eles? Ou o diálogo entre leitor e texto resta prejudicado por não
haver diferenciação de sujeitos na díade: narrador - leitor?
Esse
narrador – personagem - narratário espelharia a natureza performática da vida
atual – em sua faceta de excesso de exposição? Trataria do culto à própria
imagem e da valorização do exibicionismo que estão estabelecidos culturalmente?
Ou envolveria forças diferentes em confronto e que gerariam conflito e seus
desdobramentos narrativos? [...]
Para
o presente, quanto ao narrador-personagem-narratário, tomo apenas a questão: a
narrativa envolve duas individualidades conscientes de sua distinção num ato de
comunicação escrita? Ou o narrador e o leitor se diluem, derrocando o
protagonismo e a identificação?
O
protagonismo difere do estado de meras identificações e galga o patamar da
identidade. O termo protagonista origina-se da tragédia grega e tem como
sentido etimológico o primeiro combatente, ou seja, o herói possuidor de
características humanas e divinas que luta contra o destino (desígnios dos deuses),
por meio da vontade própria e do ato espontâneo.
O
termo espontaneidade, utilizado por Moreno [1975], tem sua raiz etimológica em sponte,
que vem a ser vontade própria. Moreno resgatou o sentido mítico-trágico para o
filosófico científico do herói que é porta-voz da raça humana. O protagonismo é
a condensação inconsciente dos desejos da coletividade, ou seja, tem sua origem
num inconsciente compartilhado, formado por histórias plurais e pré-histórias
múltiplas.
O
estado de espontaneidade depende da capacidade de inverter papéis: é relacional
e dialógico, possibilita o encontro consigo mesmo e com o outro. O encontro é
algo atual: um evento que acontece na presença, na relação.
No
caso da literatura, o encontro se dá entre leitor e texto. A relação entre ambos
abre a possibilidade da latência e possibilita um encontro dialógico sempre
novo.
Frente
às considerações anteriores e retomando a questão inicial aventada – quem é o
ser que narra uma história escrita? – concluo que o autor de uma narrativa
literária dialógica cria, no momento de sua elaboração, um ser narrativo
potencialmente provedor de protagonismo, de espontaneidade, de diálogo, de
identidade. Em oposição, há outras narrativas escritas que se isentam daquele
compromisso e permanecem monológicas.
(MEROLA,
2014, PP 88-91).
Concluiu-se
que Paul Auster convoca o (a) leitor (a) a compartilhar da pele do
personagem-narrador. Cabe a cada um que contatar com o texto a decisão de
incorporá-la ou não.
REFERÊNCIAS
AUSTER,
Paul. Diário de Inverno. Trad. Bras. Paulo Henriques Britto. São
Paulo: Cia. Das Letras, 2014.
LODGE,
David. A Arte da Ficção. Trad. Bras. Porto Alegre: L& PM
Pocket, 2011.
MEROLA,
Edna Domenica. De que são feitas as histórias. Florianópolis:
Postmix, 2014.
MORENO, Jacob Levy. Psicodrama. Trad. Bras. 2ª. Ed. São Paulo:
Cultrix. 1975.
![]() |
Crédito foto Edna D. Merola |
Trecho 1 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): início do livro
Você acha que nunca vai acontecer com você, que não pode acontecer com você, que você é a única pessoa no mundo com quem nenhuma dessas coisas jamais há de acontecer, e então, uma por uma, todas elas começam a acontecer com você, do mesmo modo como acontecem com todas as outras pessoas.
Seus pés descalços no assoalho frio quando você levanta da cama e anda até a janela. Você tem seis anos de idade. Lá fora está nevando, e os galhos das árvores do quintal estão embranquecendo.
(AUSTER, 2014, p 7)
Trecho 2 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): final do livro
Seus pés descalços no assoalho frio quando você levanta da cama e anda até a janela. Você tem sessenta e quatro anos. Lá fora o ar está cinzento, quase branco, e não há sol à vista. Você se pergunta: quantas manhãs ainda restam?
Uma porta se fechou. Outra porta se abriu.
Você entrou no inverno da vida.
(AUSTER, 2014, p 208)
16.252 Millis Road;
Stanfordville, Nova York. Uma
casa branca de dois andares no norte do condado de Dutchess. Data de construção
desconhecida, porém nem nova nem particularmente velha, ou seja, algo em torno
de 1880 e 1910. Dois mil metros quadrados de terra, com uma horta ao fundo, um
quintal ensombrecido por pinheiros à frente e um pequeno trecho de floresta
entre a sua propriedade e o lote vizinho ao sul. Uma casa um tanto caída, mas
não totalmente decrépita, que poderia ser melhorada pouco a pouco desde que
houvesse dinheiro, com uma sala de visitas, uma sala de jantar, uma cozinha e
um quarto de hóspedes ou escritório no andar de baixo, mais três quartos no de
cima. Preço de compra: trinta e cinco mil dólares. Uma casa entre outras numa
estrada secundária do interior, com trânsito moderado. [...] os seus vizinhos na Mil lis Road eram
cidadãos bondosos e sérios, muito deles casais jovens com filhos pequenos; você
acabou conhecendo todos eles, em grau maior ou menor, mas o que mais lhe ficou
na memória a respeito dos seus vizinhos no condado de Dutches foram as
tragédias que ocorreram nessas casas [...] tanto
sofrimento por trás das portas trancadas e das persianas baixadas daquelas
casas, e entre elas a sua casa também se incluía. Idade de trinta a trinta e um
anos. Uma época deprimente, sem dúvida a época mais deprimente de toda a sua
vida, tendo como único evento positivo o nascimento do seu filho em junho de
1977. Mas foi nessa casa que seu primeiro casamento se desfez, foi lá que você
viveu apertado por problemas financeiros [...] e foi lá que sua carreira de
poeta deu num beco sem saída. Embora você não acredite em casas mal
assombradas, quando você relembra aquela época agora a impressão que lhe dá é
ter vivido sob uma maldição , é de que a casa em si era parte responsável pelos
problemas que desabaram sobre você. Por muitas décadas, antes de você mudar
para ela, a casa fora propriedade de duas irmãs solteironas, [...] velhíssimas
[...], uma delas cega e a outra surda, já instaladas numa clínica geriátrica há
quase um ano. Uma vizinha [...] fez as negociações em nome das irmãs [...] e ela
lhe contou [...] que a irmã surda castigava a cega trancando-a no armário do
andar de baixo, você inevitavelmente se lembrou de cenas de romances de terror
[...] naqueles primeiros dias, limpando e mudando os móveis de lugar (alguns
dos quais vieram com a casa), você e a sua primeira mulher encontraram [...] um
corvo que estava morto há muito tempo, inteiramente ressecado, porém intacto
[...] duas ou três caixas de livros [com panfletos e livros pró nazismo] um
exemplar dos Protocolos dos sábios do Sião [...] a mais repelente e influente
defesa do antissemitismo já escrita. Você [...] levou as caixas até o depósito
de lixo da cidade e fez questão de enfiá-las embaixo de uma pilha de lixo
podre. Era impossível morar numa casa em que houvesse livros assim. Você
esperava que a história terminasse ali, mas mesmo depois de jogar os livros
fora, continuou impossível morar naquela casa. Você tentou, mas simplesmente
não conseguiu. (AUSTER, 2014, PP 84-87).
Trecho 4 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): a busca de origens é em vão (não existem raças)
Trecho 6 do livro Diário de Inverno (AUSTER, 2014): passado versus presente
Essa história de “antigamente é que era bom” não é com você. Toda vez que se dá por si mergulhando em alguma fantasia saudosista, [...] você diz a si mesmo para [...] examinar o passado de modo tão minucioso quanto você vê o presente, e logo chega à conclusão de que não há muita diferença entre os dois tempos, que presente e passado são essencialmente iguais. É claro que você tem muitas queixas [...] da vida contemporânea nos Estados Unidos [...] ascensão da direita, as injustiças da economia, o descaso com o meio ambiente, o mau estado da infraestrutura, as guerras insensatas, a barbárie da tortura legalizada e da expatriação de prisioneiros, a desintegração de cidades empobrecidas como Buffalo e Detroit, o enfraquecimento dos sindicatos, as dívidas que impomos aos nossos filhos para que eles possam frequentar nossas universidades excessivamente caras, o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, [...] chega a dar ganas de desencadear uma revolução ‒ ou virar eremita [...] volte ao ano em que você nasceu e tente relembrar como era o país naquela idade de ouro da prosperidade do pós-guerra: leis de segregação racial em todo o Sul, cotas para limitar o número de judeus, [...] a Guerra Fria, o pânico anticomunista, a bomba atômica. (AUSTER, 2014, PP 165-166).
REFERÊNCIAS
MORENO, Jacob Levy. Psicodrama. Trad. Bras. 2ª. Ed. São Paulo: Cultrix. 1975.
Reflexão providencial para quem (como eu) trava batalhas com as palavras, os rabiscos e as teclas do teclado frio e distante do notebook. Os maquinhos lá no sótão bailam. E com o teu texto...estão mais e mais saudavelmente enloquecidos. Pois então...quem escreve? Eu sou o outro (Eu sou Madame Bovary...O diabo são os outros...Escrevo para não ficar sóbrio e chato...). Adorei a tua conclusão: "Concluo que o autor de uma narrativa literária dialógica cria, no momento de sua elaboração, um ser narrativo ...". Gratíssimo. *(Eu não existo: o ser que escreve em mim sim. (Gilberto Motta)
ResponderExcluirO ser que escreve em ti habita nas leituras dos seres leitor@s que construímos.
ResponderExcluirTexto fantástico, Edna, de utilidade pública para leitores e escritores! Com quem o autor dialoga? Para quem envia a mensagem? Penso que o autor pode criar as mais intrincadas formas de narradores, personagens e narratários, criar os mais diversos mecanismos para atingir seu leitor. Mas, no fim das contas, só pode conversar consigo, posto que o texto sai todo de sua cabeça. Cabe ao leitor escolher "participar" da história ou não e, consequentemente, conversar ou calar perante o autor, independentemente das artimanhas narrativas inventadas. Grato por instigar nossas reflexões, seu trabalho é relevante e necessário! Abraços do amigo Cassiano Silveira
ResponderExcluir